quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lista de Selecionados

Lista de Selecionados – 2ª Oficina São Paulo Através do Espelho


Aline Babadópulus

Ana Dias de Andrade

Ana Lara de Sousa

Arthur Moreau

Beatriz Barjud

Beatriz Duleba

Danilo Caputo D`orta

Luiza Helena Novaes

Maíra Vaz Valente

Mariana Viana

Marya Cecilia Ribeiro Pereira

Milla Bastos

Mylena Vendramini

Priscilla Carbone

Thiago Vesecky


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Mais fotos da intervenção no Minhocão







Fotos: Juliana Tonalezzi

As intervenções "São Paulo Através do Espelho" fazem parte do Projeto Decupagem Dodecafônica, contemplado pela Lei de Fomento ao Teatro do Município de São Paulo.

Elas são o resultado de oficinas onde o coletivo compartilha os seus procedimentos de criação e junto com os participantes constrói uma intervenção urbana para um espaço público específico da cidade.

De fevereiro a maio, serão realizadas 5 oficinas em 5 espaços públicos diferentes.

A primeira foi oficina aconteceu na FUNARTE e a intervenção no Minhocão, dia 5 de fevereiro.

A próxima oficina será na Biblioteca Alceu Amoroso Lima (informações para inscrição na postagem anterior) e a intervenção será no Largo da Batata, dia 29 de fevereiro, quarta-feira 16h.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

2a Oficina + intervenção: São Paulo Através do Espelho



“para quem olha para a cidade e tem vontade de fazer teatro”

Oficina: 25 a 29 de Fevereiro, sábado a terça, das 14h às 17h

Local: Biblioteca Alceu Amoroso Lima (Rua Henrique Schaumann, 777)

Público alvo: maiores de 18 anos, interessados em artes.

Inscrições por e-mail: teatrododecafonico@gmail.com
(enviar nome completo, data de nascimento e justificativa de interesse)

nº de vagas: 20 (vinte)

Intervenção urbana: 29 de Fevereiro, quarta, 16h
Local: Largo da Batata

TODAS AS ATIVIDADES SÃO GRATUITAS

Fotos da intervenção no Minhocão

Fotos: Renata Veloso



sábado, 4 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

“O que ali se viu” - reação a uma obra literária como modo de operar na escritura cênica

Verônica G. Veloso e Paulina Maria Caon*

O termo reação começou a ser utilizado pelo Coletivo Teatro Dodecafônico em decorrência da prática, ou seja, como resposta à experiência vivida pelos artistas envolvidos nesse Coletivo. Durante a encenação de “O Disfarce do Ovo”, surgiu a necessidade de se acrescentar ao título da obra, o subtítulo: uma reação à Clarice Lispector. Trabalhávamos com dois contos: “Legião Estrangeira”, que possui narrativa clara, com começo, meio e fim. O outro, “O ovo e a galinha”, aproxima-se mais de um ensaio estilístico do que de um conto propriamente dito, uma vez que não conta uma história, nem mesmo de maneira fragmentada. Clarice disserta sobre um ovo, observando-o de muitos ângulos e tecendo considerações a seu respeito. Ao longo do processo, percebemos que se tratava de um estudo criativo das duas obras da autora que não eram postos em cena na sua integridade, nem a história contada em um dos contos era tampouco encenada.

Em um segundo momento, o Coletivo se debruçou sobre dois textos de Lewis Carroll: “Alice no País das Maravilhas” e “Alice Através do Espelho”. Nesse caso, o diálogo foi construído a partir de obras cujas histórias já foram contadas e recontadas em inúmeras adaptações para o cinema e o teatro. Mais uma vez, o Coletivo se propôs a realizar uma reação e não uma adaptação para o teatro. É a partir do estudo do processo de criação de “O que ali se viu”, resposta do Coletivo Teatro Dodecafônico às obras de Lewis Carroll, que iremos refletir sobre a idéia de reação.

Ao utilizar o termo reação, buscamos nomear um modo de operar da encenação junto ao texto literário, que talvez também seja praticado em outros contextos. A primeira ação proposta no contexto da reação aos textos de Lewis Carroll foi a coleção de referências trazidas por todos os participantes do processo de criação – busca e partilha de elementos audiovisuais, sonoros, textuais, iconográficos que se relacionassem à obra. Essa ação não se restringiu ao início do processo criativo, ela permaneceu possível ao longo de toda a trajetória da encenação. Dessa maneira, cada artista do Coletivo passou a agir como um colecionador, aquele que segundo Walter Benjamin tem a capacidade de renovar o mundo: “[...] para o colecionador autêntico a aquisição de um livro velho representa o seu renascimento.” (BENJAMIN, 1987, p.229). Em nosso caso, reagir à obra e não reproduzi-la significa atualizá-la, renovando os sentidos da obra original. A partir da diversidade de materiais trazidos, a atitude do colecionador permite que cada artista destaque da obra original trechos, pensamentos paralelos e referências cruzadas que já podem ser consideradas pequenas reações.

Da interação com a literatura propriamente dita, emergem outros procedimentos, que buscaremos partilhar no presente texto. O uso de uma obra literária como ponto de partida para a criação de uma encenação teatral tem sido chamado de adaptação. No cinema, diz-se versão. Reação, em nosso caso, é transpor, é transformar, é montar.

Alguns procedimentos – transpor, transformar, montar

Reagir é transpor, pois a literatura é posta em cena sem filtros. Podemos dizer que ela é exposta, afirmando-se como tal. Por exemplo, recorta-se um trecho do texto literário e coloca-se o fragmento na boca de um ator que realiza uma ação sem relação direta com o que é dito, sem alterações no texto e sem transformá-lo em discurso direto. A ação do ator pode ser definida por inúmeras regras que jamais propõem a ilustração do texto. É comum que a escolha do texto a ser falado aconteça depois de uma cena já estar construída no nível das ações físicas. Assim, não há uma busca por ações que preencham o texto, mas ao contrário, é ele que será friccionado às ações, fazendo surgir novos sentidos para ambos (ação e texto). Ou, como se costuma dizer, não há uma preocupação em colocar o texto em pé, explicitar conteúdos com ações ilustrativas. A criação do visível passa por outra via – apelando para imagens, ações, sonoridades que desvelam camadas de sentido do texto, que indagam o texto, alterando seu sentido primeiro.

A transposição direta do texto na encenação aconteceu também em certa cena que simulava um jogo de xadrez. Um excerto foi extraído na íntegra do início do texto de Carroll (Alice Através do Espelho). Nele, o autor sintetiza toda a história do livro em jogadas de xadrez, brincando com a tradução da linguagem literária para a linguagem do jogo. O texto foi gravado e o áudio foi reproduzido enquanto os atores realizavam um jogo de campo de visão (inspirado nos Viewpoints de Anne Bogart). Simultaneamente, uma atriz, a mesma cuja voz era reproduzida em áudio, deslocava-se do lado de fora do que seria o tabuleiro de xadrez, realizando uma partitura de movimentos e dizendo comandos em francês, que intervinham nas ações do jogo do tabuleiro.

Nesse contexto, a “exposição” de fragmentos de texto tem o sentido do encontro entre alteridades, seja para os atores-jogadores do Coletivo, seja para os espectadores na relação com os textos que estão em cena.

Entrar em relação com um texto de ficção é mergulhar em outra lógica, é experimentar outras identidades, outros pensamentos, outras existências... O escritor Björn Larsson ilustra com propriedade essa noção ao afirmar que “a literatura, como a verdadeira viagem de aventura, deve ser um encontro com o outro do qual não se sai incólume”[1]. (PUPO, 2005, p.04)

Outra dimensão presente no contexto do procedimento de transposição é a utilização assumida de fragmentos, sem a preocupação de “encenar” ou tomar o texto todo como ponto de partida para a criação. O fragmento se torna uma forma de apropriação voluntária da obra, que nos permite aprofundar a exploração das camadas de sentido em diferentes retomadas de jogo e/ou cena. Conforme Maria Lucia Pupo (2005) reflete, em diálogo com autores franceses, o trabalho com os excertos afirma a possibilidade de jogadores e público fazerem uma apropriação livre da forma e conteúdo do texto, sem o pressuposto de que se deve ter a mediação de um cabedal de conhecimentos anteriores e imprescindível para a leitura da obra. Além disso: “O procedimento da fragmentação... remete certamente à impossibilidade contemporânea de um olhar totalizante sobre um mundo no qual as certezas não mais parecem evidentes.” (idem, p.27).

Quando dizemos que reagir é transformar nos referimos ao texto como ponto de partida para a escrita da dramaturga[2], que por vezes usa certo fragmento como referência estilística e poética para a criação de um texto inédito. Dois exemplos de cenas de “O que ali se viu” podem ser destacados. A personagem Humpty Dumpty é apresentada no livro de Carroll a partir de um diálogo com Alice. Na encenação, o encontro se dá com o público, que não dialoga diretamente com a personagem, mas observa sua apresentação de si mesmo, por intermédio da construção de um ovo de placas brancas coladas na parede e de uma miniatura de Humpty Dumpty (um ovo de verdade com olhos, nariz e boca desenhados em sua casca). No livro não há nenhuma menção a desdobramentos da figura inicial. Além disso, é Alice quem recita um poema em trava língua, ação assumida pelo Humpty Dumpty da encenação. Embora haja o empréstimo do personagem da literatura para o teatro, o texto dito por ele é re-elaborado, ou melhor, reinventado pela dramaturga. Também não há notícias de que o personagem seja atropelado por uma comitiva de torres alucinadas, ambientadas por projeções de vídeo game no livro de 1900 de Lewis Carroll. Em “O que ali se viu” é este o fim do Homem-Ovo.

O outro exemplo se refere a uma figura identificada pelo Coletivo como “A mulher que esqueceu os nomes”. Nesse caso, não há empréstimo direto de personagem proveniente da literatura. Em Carroll, o esquecimento está presente em passagens da personagem Rainha Branca e também aparece como uma floresta pela qual Alice passa e que gera o esquecimento dos nomes das coisas. Na proposta dessa figura, na transformação “dodecafônica” para a cena, a dramaturga insere trechos de Manoel de Barros no texto, poeta tão acostumado a brincar com as palavras que pratica o esquecimento como ponto de partida para o jogo de renomear poeticamente as coisas.

Quando se trata de transformar como procedimento de reação a partir de referências trazidas individual ou coletivamente (imagens, improvisações, workshops), textos e ações claramente inexistentes na obra original vêm à tona. Os workshops[3] e algumas improvisações foram ricos nesse aspecto: uma espécie de instalação de espelhos foi construída e fomos convidados a percorrê-la ouvindo certa música; uma mulher conversava consigo mesma em frente a um espelho e passava manteiga em pães, distribuindo-os em seguida à platéia de atores do ensaio; um homem se traveste de caixas, transformando-se em um objeto-homem, homem-objeto. Tais dispositivos propostos por intérpretes do processo formam uma pletora (LEHMANN, 2007) de referências cruzadas, que apenas remetem a objetos e imagens das obras de Carroll; por vezes, ampliando visões e percepções sobre o texto original. Ou seja, nessa transformação, ocorre uma espécie de processamento, sedimentação individual e coletiva da obra.

Reagir é montar, sobrepor, criar em camadas. A cena “jogo de xadrez”, citada anteriormente, também pode ser usada para ilustrar a reação como montagem, no sentido da sobreposição própria da linguagem audiovisual. Primeiro, a atriz trouxe uma partitura de movimentos que eram executados enquanto ela dava comandos em francês e ouvíamos sua voz gravada, lendo a descrição das jogadas de xadrez. A partir desse workshop a encenação sobrepôs o jogo do campo de visão, no qual todos os atores apresentavam suas versões das figuras do xadrez, tais como: rainhas, reis, bispos, torres e cavalos. Dessa sobreposição de jogos, criou-se outro jogo com o operador de som, que soltava a faixa sonora enquanto os atores permaneciam parados, retomando a ação na medida em que o som silenciasse.

O procedimento de montagem, nesse caso, parece nos auxiliar a compreender a idéia e forma da reação – uma série de visões, sensações, ações que compõem muito mais respostas ao universo formal e imaginário das obras de Lewis Carroll do que uma tentativa de adaptação às supostas intenções do autor. Assim, no exemplo citado, duas imagens eram transmitidas simultaneamente – no tabuleiro do jogo e na passarela ao redor do tabuleiro, paralelamente a emissão da faixa sonora, que também dialogava com a ação. Além disso, embora o áudio versasse sobre uma partida de xadrez, a ação que se dava em cena não a ilustrava. Aliás, a ação cênica era constituída pela apresentação das figuras de cada jogador, que eram reproduzidas por todos os outros, num jogo de espelhamento do que cada um apreendia em seu campo visual.

Nesse sentido, situamo-nos no campo da recepção (DESGRANGES, 2003; ZUMTHOR, 2007): ao ler Lewis Carroll, os criadores do Coletivo trazem consigo suas experiências estéticas, sociais, culturais anteriores e debruçam-se em uma investigação conduzida pelos parâmetros propostos pela encenação. De certo modo, nosso primeiro exercício é de recepção desse texto. Recepção que, como pontua Zumthor, inclui a performance no próprio processo de leitura. A reação como modo de criação sugere uma espécie de explicitação do processo de recepção do Coletivo, que revela uma constelação de imagens, ações e sonoridades, e engendra, nesse percurso, novos sentidos ao texto original, um outro texto, agora cênico. A encenação, a composição de uma dramaturgia da cena a partir desses materiais, burila e refina tal processo de recepção, de maneira que o público não o acesse em estado bruto. Em diálogo com a cena teatral contemporânea, na estruturação da encenação, a figura da pletora permanece – conjunto de elementos díspares, referências cruzadas, cuja coerência não passa pela linearidade da fábula ou pela construção de unidades espaciais, dramáticas e nem mesmo pela composição de personagens. Os espectadores, ao fruir a encenação, terão novo exercício de recepção, desdobrando novas reações e sentidos a partir do contato com “O que ali se viu”.

A encenação se constitui no entrelaçamento de cenas que propõem experiências sensoriais (audiovisuais, táteis, espaciais, temporais) que atravessam os corpos de atores e espectadores. A construção da dramaturgia continua dialogando com o cinema ao partir da idéia de roteiro, que leva em conta a circulação de sentidos (RYNGAERT, 2009). Algumas cenas se associam por afinidade temática ou temporal, no que se refere ao momento da peça no qual tal cena deve acontecer. Por exemplo, a cena do chá tinha caráter apoteótico, por isso foi posicionada ao final da encenação. Entretanto, o roteiro se descreve principalmente segundo a geografia do espaço onde a encenação se instala, ou seja, os percursos espaciais e não fabulares. Assim sendo, as cenas funcionam como peças que são combinadas e recombinadas em diferentes ordenações, mantendo-se apenas pequenos blocos afins, conforme a encenação muda de local de apresentação e conforme novas cenas surgem no processo.

Os sentidos da reação

A arte não aparece no primeiro esboço, não é o resultado de um empreendimento doce e agradável. Picasso dizia: ‘você faz o primeiro traço sobre a tela e o resto do trabalho consiste em tentar corrigir esse erro’. Trata-se, então, de cometer esse erro o mais cedo possível nos ensaios e de dizer a si mesmo que resta, apenas, enfrentar esse ato violento. Saber avançar sem censura, com a disponibilidade como única ferramenta, constitui um ato extremamente violento, porque vai de encontro à ordem natural das coisas. (BOGART, Anne in FÉRAL, Josette, 2007, p.85).[4]

Ao estruturar essa reflexão sobre a reação como modo de operar no Coletivo Teatro Dodecafônico e sobre o processo de criação de “O que ali se viu”, alguns elementos saltam aos nossos olhos. O primeiro deles é a percepção de que os participantes de um processo dessa natureza são espécies de colecionadores ou de historiadores benjaminianos (BENJAMIN, 1994; GAGNEBIN, 1999). A busca não está no estabelecimento de relações causais, de uma explicação do real (ou da obra), mas sim em colecionar referências, conectá-las, fazendo explodir um continuum, histórico ou estético, para relacioná-lo com o presente, com elementos aparentemente externos, recriando e atualizando sentidos.

O jogo de colecionar proposto ao coletivo ora organiza, ora desorganiza a criação. Para Benjamin, “a existência do colecionador é uma tensão dialética entre os pólos da ordem e da desordem” (BENJAMIN, 1987, p.228). Desse modo, transpõe-se diretamente da literatura e de outras fontes, recortanto e colando, como quem coleciona no tempo da virtualidade. É função da dramaturgia da cena alinhavar todas essas coleções na formatação final da encenação, seja paralelamente, seja em sobreposição. Sem, no entanto, preocupar-se em esconder as emendas; ao contrário, busca-se ao máximo exibir a multiplicidade e variedade dos colecionadores.

Do mesmo modo, à medida que muitos participantes do processo trazem diferentes referências (iconografias, ações, sons, etc.) sobre o universo investigado, duas outras dimensões se fazem presentes no processo – o acaso e a bricolagem. Nem sempre o acaso é assumido como parte dos processos de produção artística ou de conhecimento, entretanto, ao trabalhar em criações coletivas ou colaborativas, a multiplicação das referências potencializa sua presença. Falando de modo literal, casualmente se reúnem certas abordagens, imagens, ações que não se conectariam, não fosse a ampliação de repertório que o coletivo possibilita. Um exemplo disso é o cruzamento de imagens de videogame antigos (Atari) durante a exploração da coralidade provocada pelo encontro de três torres. Ou ainda, a cena de abertura da encenação em que o público é “apresentado” às figuras das Rainhas, compostas a partir do mesmo arcabouço de referências visuais, mas moldadas cada qual a seu modo pelo jogador que a desenha no próprio corpo. Nessa cena, as Rainhas são sobrepostas em um coro que expõe certo fragmento de texto de L. Carroll e o público acessa traços semelhantes e díspares da construção corporal de cada jogador em cena.

Em decorrência disso, emerge também um outro status para o encenador e para a própria idéia de dramaturgia da cena. À medida que ele se dispõe a engendrar a criação verdadeiramente a partir das coleções trazidas pelo Coletivo ou da coleção levantada coletivamente em sala de ensaio, ele não se pauta numa “visão” prévia do resultado da cena ou encenação como um todo. O encenador, em nosso caso, encenadora, trabalha com o que tem à mão, à semelhança do bricoleur, que a partir dos elementos disponíveis inicia uma composição, sem ter certeza da cena que surgirá ao final do percurso. Configura-se um movimento intenso e tenso de utilização, descarte e combinação (montagem, como falamos há pouco) de materiais provenientes do processo, explicitando-se um dos “[...] segredos do bricoleur: os restos e as sobras de estruturas simbólicas que lhe são mais preciosas permanecem às margens de sua obra, escondidos nas dobras da cultura, em testemunho do inacabamento de suas ‘soluções’, configurando um acervo de coisas boas para fazer pensar” (DAWSEY, 2005, p.31). Aquilo que não está exposto em cena e que foi material do processo, subsidia, estrutura o presente da encenação. O que está exposto e o que foi descartado nos indagam constantemente sobre nossas escolhas, como esse acervo de coisas boas para fazer pensar.

Como a epígrafe dessa seção aponta, a coragem e “violência” do primeiro traço são mais do que necessárias, num processo em que, de fato, articulam-se idéias coletivas e não se sabe a priori a imagem final da criação que se pretende. Nesse sentido, a reação como modo de criação pode ser vista como uma característica instigante de trabalhos efetivamente coletivos e da cena contemporânea.

Referências bibliográficas

BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas I: Magia e técnica. Arte e Política. São

Paulo: Brasiliense, 1994. Obras Escolhidas II: Rua de mão única. São Paulo:

Brasiliense, 1987.

BOGART, Anne in FÉRAL, Josette. Mise en scène et jeu de l’acteur: Entretiens, t.3.

Voix de femmes. Canadá: Éditions Québec Amérique, 2007, p. 68-87.

DAWSEY, John Cowart. O teatro dos ‘bóias-frias’: repensando a antropologia

da performance. Revista Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, v.11, n.24, p.15-34, 2005.

DESGRANGES, Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.

GAGNEBIN, Jeanne-Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo:

Ed. Perspectiva, 1999.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. São Paulo: Cosac Naif, 2007.

PUPO, Maria Lucia de Souza Barros. Entre o Mediterrâneo e o Atlântico, uma

aventura teatral. São Paulo : Perspectiva, 2005.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar. São Paulo: Cosac Naif, 2009.

ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naif, 2007.



* Verônica G. Veloso é mestre em Pedagogia do Teatro pela ECA-USP e docente da Universidade de Sorocaba. Paulina M. Caon é doutoranda em Pedagogia do Teatro na ECA-USP e docente da Universidade Federal de Uberlândia. Ambas integram o Coletivo Teatro Dodecafônico.

[1] Le Monde, 12/10/1980, p.15.

[2] Ficha técnica de “O que ali se viu”: encenação - Verônica Veloso; assistência de encenação - Daniel Cordova; dramaturgia - Silvia Camossa (a partir da obra de Lewis Carroll); elenco - Anna Dulce, Ana Flávia Crispiniano, Beatriz Cruz, Claudia Tordatto, Katia Lazarini, Lígia Borges, Paulina Caon, Pedro Felício, Samir Oliveira, Sérgio Pupo. Objetos, adereços e cenografia - Renata Velguim; figurino - Jorge Wakabara; iluminação - Taty Kanter.

[3] Procedimento de trabalho no qual uma cena é encomendada aos atores, que apresentam suas leituras de trechos do texto ou passagens que consideram caras. Tais cenas podem trazer colaborações textuais, imagéticas, audiovisuais, etc.

[4] Tradução de Verônica G. Veloso e Cícero Oliveira: « L’art n’apparaît pas au premier jet, il n’est pas le résultat d’une entreprise douce et agréable. Picasso disait : ‘ Tu fais le premier trait sur la toile et le reste du travail consiste à essayer de corriger cette erreur.’ Il s’agit donc de commettre cette erreur le plus tôt possible dans les répé titions et de se dire qu’il ne reste qu’à faire face à cet acte violent. Savoir avancer sans censure, avec la disponibilité comme seul outil, constitue un acte extrêmement violent, parce qu’il va à l’encontre de l’ordre naturel des choses. » (BOGART, Anne in FÉRAL, Josette, 2007, p. 85).