terça-feira, 26 de outubro de 2010

Alices simultâneas


Por Verônica Veloso
Foto: Renata Velguim

O estudo das Alices de Lewis Carroll foi o ponto de partida para o presente trabalho, uma reflexão sobre a infância. Paralelamente à vontade de revisitar esse período da vida, havia o desejo de experimentar a maternidade. Enquanto gestava essa encenação, gestava também uma filha. Não pretendia, no entanto, adaptar as histórias de Carroll para o teatro, mas reagir a elas, utilizando imagens e trechos das obras literárias, nas quais o autor tece metáforas sobre o tempo, jogando com os processos de crescimento e passagem para a vida adulta. Essa dupla gestação, espécie de momento Lagarta, me levou a perceber as estreitas relações entre a minha prática de encenação e as obras de Carroll.

Em suas trajetórias, Alice presencia situações que invertem a lógica racional, mergulhando no non sense do outro lado do espelho e no subterrâneo do suposto País das Maravilhas. Em “O que ali se viu”, a fragmentação do discurso é radicalizada pela utilização do espaço, a escritura imagética, o percurso do público junto com as cenas e a apropriação ‘dodecafônica’ do universo colecionado pelo autor.

Pesquisando ‘coralidades contemporâneas’ (versão atualizada dos coros preconizados pelos gregos), o Coletivo Teatro Dodecafônico se apresenta como um conjunto refratário de vozes dissonantes, discordantes, irreverentes. Dez atores mostram suas versões de Rainhas, Reis, Bispos, Cavalos e Torres, além da linha de Peões, experimentando o jogo de xadrez de Lewis-Alice. A proposição de um teatro infanto-juvenil não impede que a encenação ‘dodecafônica’ se mantenha pautada em procedimentos contemporâneos do fazer teatral. Trata-se de uma encenação afinada com seu tempo e passível de ser vista por crianças e seus familiares adultos, sem prejuízos de interesse.

Em “O que ali se viu”, Alice não aparece, é apenas sugerida, a cada deslocamento, ao descobrir-se a si mesma, num mundo subterrâneo, íntimo. O Coletivo Teatro Dodecafônico pretende tomar o público pela mão, levando-o a atravessar o espelho e a olhar o mundo com olhos de Alice.

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