domingo, 11 de janeiro de 2015

DERIVA 24h – escritas automáticas e mapas


Escritas automáticas feitas a cada 4h, por 10 minutos, durante a deriva.

Mapas feitos em datas diversas após a deriva.

 Beatriz Cruz

O som do sapato de quem passa por mim
O som do sapato de quem está atrás de mim.
Terra incerta que vai brotando.
A gente anda e ela aparece.



Primeira Parada – 23h46

Deriva começa com nuvens que se abrem primeiro chove fino e elas caem gotas
A cidade que conheço está ali como um jogo agora com mais jogadores que pulam de um ponto a outro
A deriva começa tocando aquilo que colocamos no espaço
Peças encaixáveis ou não encaixáveis
Árvore de natal e joão bobo
Chafariz
Água suja
O que essas peças tem em comum?
Numa rua que sei que existe e sei o que há. Sei?
Sigo
Caio no Bexiga
Se houve
a deriva
começa
E não entramos no bar aquele bar sendo apresentado
Famílias andam comem gente anda e come no meio da rua parece um baile
de cima da ponte o ponto vermelho o ponto branco estamos na ponte para ouvir
A primeira ponte eu ouço como um mar vazio a segunda é festa duas pontes em menos de duas horas sempre passos atrás, o tilintar dos sapatos
Quis seguir duas garotas com chinelos mas não fui
Os passos de quem vem atrás são bons porque dão a sensação de abraço
A lua começa pra deriva
Como se pode ver a lua com tantos prédios?
O paraíso é engraçado
Lugar que vê coisa grande
Ladeira e prédio. Casa, escada e rampa.

Durante

Natal com lâmpadas frias. Esse azulzinho irritante.
Corpos e mega-empreendimentos.
Meu tamanho na cidade.
Espera dar o próximo passo para ver mudar o outro.
A rua é grande. Vai todo mundo junto.
A cidade te prende.
É bom subir o morro.

Segunda Parada – 5h55

Risadas no final são o sinal de quem está com sono e cansada. O que é andar à exaustão? O que é ficar sem dormir para viver a cidade?
O medo do viaduto foi real, a inconformação foi real. Onde busco segurança?
Muitos ambientes conhecidos colocados com outras cores.
Assim o vento do metro fez surgir a risada. A exaustão, a loucura. Mas a loucura como outro estado. Fazer surgir o fluxo. Então o muro vira dança. Então estar ali adquire um significado. E estar na cidade a essa hora faz com que novas camadas no meu corpo fiquem clara. Quem é que guia? Quem me guia? Quem nos guia? Essa pessoa de fato atrás da escolha. Escolhe e faz surgir camadas também na cidade. Camadas da cidade, seus discursos ficam nítidos e ela te puxa. O centro está na gente. A cidade cria centros de força que nos atraem. Os centros estão na gente. Provocam a atração. Mecanismo único. É isso que se faz se o corpo cidade tem outra relação. Corpos cidades é plural. Qual o meu corpo cidade? Corpografia. O discurso do cheio e do vazio. Exaustão é dimensão pela revitalização. Olhei o tempo. fim.

Durante

As principais pessoas
Os animais
Os muros
O chão
Situações

Dois cozinheiros
Dois africanos vendendo bijuterias
Um casal
Duas jovens de chinelos
Dois amigos que vieram do nordeste
Três artesãos
Muita gente numa festa
Um gato malhado
Um gato persa
Um cão que cruzou a rua latindo
Outro do portão
Um homem na ilha ri
Outro olhando pra cima
O que é cada um?
Presos pelo paraíso
Buraco quântico
Labirinto

Saímos

Aqui o cão é solto!

Terceira Parada – 11h48

Por onde começar a ficcionalizar? A exaustão leva à criação de outros mundos e de camadas mais internas. O que levar a deriva regada de torpor? Um cachorro me fez ter relação. Quem eu sigo e por que não sigo? Por que estou na cidade e o que eu toco? Tocar as pessoas que estão comigo. Sentir a cidade chamar. Necessidade do outro pra além do espaço, relações transpostas. Transbordantes. O desenho do paraíso nos faz ficar nele. As pessoas da rua e fora dela me fazem me desinteressar do ambiente. Eu quero sair. Como faço? O que sigo? Como sigo? Está faltando urbanidade aqui. Os animas estão soltos e me levam. Quando cheguei e cruzei a ponte, vi o cão e anotei. Encontrei. conversei. Segui. Esperei. Relação. Como fazer pequenas narrativas da deriva. Estamos muito cansados, os corpos não agüentam mais e os espíritos? Uma última sobrevida veio porque deixei a cidade entrar com ritmos diferentes. Andei rápido para sair do labirinto. Pousei, movi pouco e senti o corpo por dentro. Emoção de estar deitada nessa rua. Por que estou aqui? Eu tenho uma casa. Minha pele. Porque quero os outros e eu mesma. Minha pele. Os que estão comigo me seguem mesmo. Estou viajando? Tocá-los antes ou depois ou durante a cidade. Como nos afetamos na deriva? Corri. Há que entrar num jogo.

Durante

Morri várias vezes.

Hideo Kushiyama


Segunda Parada  - 6h (Trajeto das 2-6h)

Perigo! não pare na pista, continue e continue, esgotamento físico, aos poucos o perde-se vai ficando desesperador, as ao mesmo tempo é esse lugar que me move a ir.
A força do rouxinol urbano, o passarinho que canta entre as pedras, entre as placas,
entre o concreto. Rouxinol cantando na noite? ou a noite cantando o rouxinol, cantar os cantos, de canto rua, de canto beco, de canto banco, de canto ferro, de canto flores.
Cantar em cantos. em cantos. encanto!
De placa, des-vende-se
Vende-se desvende-se
Frestas, linhas, SI-dade
Entre na rua, mãos sujas de parede, tocar a cidade deixa as mãos limpas, mais espaço,
mais poeira.
Experiência se tornou uma linda palavra, desejo de tatua-la no corpo, ou alguma palavra que defina isso, desejo de ter a cidade no corpo.
Corpo-
mapa-
desvio-
errante.
Nunca errar foi tão motivador.
O bando de pessoas que toca movimento rua.
A rua entrando pelas veias abertas do corpo EXPOSTO. Ex-posto de vicios, de costumes, de regras, de padrão, de movimento, veias abertas da grande são paulo, a gente escorrendo, tocando as veias dela, ou ela só tocando a gente.
As veias, vias, ruas, concreto, chão tocam.

Terceira Parada 12h (Trajeto 8-12h)

A falta de sentido das coisas dá sentido perdido. dá sentido perdido, tá se sentindo perdido?
Ouvir o som das ruas em meio a tantos sons, se guiar por alguma coisa, paralelepípedos, que reagem, meu passo reage.
Não saber onde estou, caminhar sem mochilas é o estado de liberdade.
Passos, silêncios, espaço de dentro, de fora.
Homem placa, sentir o chão, pessoas na, em algum lugar que não sei descrever o nome.
O não saber do lugar.
Fico me perguntando aonde estou?
Talvez muito perto ou muito longe?
Mas muito perto ou muito longe de onde?
A lua tem algum som?
A calçada alguma escrita?
O silêncio sabor?
Escuta, concretude, infinito, invisível?
O caminh. . .

Karen Santos

Primeira Parada – 0h  (Trajeto das 20-24h)

Atraso, atraso, atraso.
Eu atraso.
Eu tento.
Eu atraso.
Eu mudo, não mudo.
Telefonema.
Mensagem.
Desorganização.
Correria.
Desespero.
Medo.
Créditos e bateria no fim.
O que estava em movimento não ia parar.
Eu parava.
Informação.
Tentativa.
Perdida, perdida, perdida.
Encontrei a bermuda da Paloma brilhando no escuro.
Saio da minha Deriva Isolada.
Acho a Deriva 24h.
Alívio.
Riso.
Consegui achar!
Impossível acontecendo.
Grupo.
O seguro não seguro.
Onde eu estou?
Aonde vamos?
Lugares familiares apareceram, mas lugares não familiares provocam medo,
descontrole, arrepios, crises de riso, desconforto, vontade de voltar pra casa sem saber
voltar
Perdida.
Vi pessoas estranhas e me assustei. O que elas poderiam fazer? Onde essa rua vai
parar?
Impotência.
Curiosidade.
O que estamos fazendo?
Por que nos propomos a isso? Falta de adrenalina na vida? Queríamos sentir adrenalina? Sentir o perigo? Mas já não sentimos o perigo em outras situações? Por
que se colocar em risco? Por que aumentar o risco? Parecemos aquelas pessoas que
vivem num mundo particular “perfeito” e, por isso, sem graça, e que precisam passar
por experiências que deixem suas vidas mais interessantes.
As câmeras nos protegiam.
Achei que quereriam roubar as câmeras nas ruas, mas elas acabaram gostando e pedindo para serem filmadas.

Mônica Lopes

Primeira Parada – 0h  (Trajeto das 20-24h)

Natal, artigos natalinos para todos os lados. A Paulista nesta época tem muitos artigos natalinos.  A rua a noite me parece menos silenciosa do que eu imaginava a priori, tem muitos sons de música, forró, rock, funk, mais forró, mais forró. Estamos na Bela Vista, famoso bairro do Bexiga, casas antigas, muitas pessoas nas calçadas, mesas, bares, luzes, pisca-pisca, caminhamos e caminhamos sem fim, no Bexiga tem muitas bifurcações. Perde-se com facilidade. Casa e churrasco, uma viela, final de rua desconhecida, uma surpresa, crianças jogam futebol, amigos se encontram.  Voltamos para a Paulista, Paraíso, morros e mais morros, um sobe e desce ladeira sem fim. Uma rua tranquila, com casas antigas, o tempo parou.  Silêncio. Não há ninguém. Azulejos nas paredes,  materiais de construção, escadarias, janelas, um gato persa olha e balança a cabeça. Ladeira novamente, chegamos ao metrô Paraíso. Continuamos o caminho, luzes de natal,  mirante da 23 de maio, pausa, apenas olhar.  Praça, silêncio, a lua cheia nos acompanhando.  Na Praça Roosevelt, no início da caminhada, estava garoando, céu nublado,  achávamos até que iria chover.  Agora o céu está limpo, poucas nuvens e a lua está linda.  Querer apenas pausar, escorrer no chão, silêncio. Pessoas, muita vida na Paulista, carros, carro de Boi, música, carro de Boi filmando a vida na cidade. Caminhar sem parar traz um estado outro de corpo. Muitos faróis, luzes de natal, frio gelado. Com o passar do tempo esquentou, ao caminhar e correr,  as casas antigas eram bem bonitas. Paramos para relaxar as pernas, perto de um jardim de Natal, o segurança se incomodou porque corremos em uma praça empresarial.  Árvore seca, corpo colapsado no chão em um lugar em silêncio. Liberdade de andar na cidade sem medo, para onde quiser, em qualquer horário, subversão.  Percepção do espaço urbano de outra maneira. Escuta maior às micro-sonoridades e sensação de toque traz peso e densidade para o corpo, em sua experiência.  Entre lugares mais iluminados e mais escuros, vielas de bairros, não tem ninguém. Segue o fluxo, muitas árvores. Um ateliê de objetos de metal, ainda aberto, preparando uma encomenda de natal para um escritório de advocacia, ele nos convidou a entrar, um espaço bem interessante. Ele está vendendo o imóvel, a especulação imobiliária está em todos os lugares.  Outra ladeira, vielas e casas, janelas, crianças jogam.

Jantar – (0-2h)

Segunda Parada  - 6h (Trajeto das 2-6h)

Paulista, vento sopro que sai do metro, ficamos um bom tempo por lá. Jogos e mais jogos de composição sendo criados no instante. Composições instantâneas.  Jogos com as estruturas existentes, muros, grades, escadarias, bancos.  Composições. No muro de metal, esbarrões e choques, simultâneos, ou encadeados, um após o outro, ritmos e sonoridades diferentes. Embate com a cidade.  Correr de um canto a outro da rua e se bater nas portas de metal das lojas. Conforme chega a madrugada o silêncio também dá sinal de vida, um silêncio nem sempre fácil de conviver.  A madrugada é um pouco sinistra, solitária, sombria. Existe uma certa desolação, um silêncio incômodo, um abandono.  A cantoria na madrugada, o rouxinol no banco de madeira. Um momento de quietude.  Perder-se uma viela, pequena escadaria, para onde estamos indo? Materiais de construção em uma caçamba, equilibrar-se e desequilibrar-se...  Ruas silenciosas, correr, deitar-se, engatinhar nas ruas silenciosas, por vezes um carro acelerado, o som se esvai volta o silêncio. Sinais de trânsito, acolher-se no vazio da madrugada. Seguir por um caminho apenas para carros, incômodo,  trajeto agressivo e solitário, não há pedestres, só a lua. Silêncio. Obelisco, nós velando os mortos da Rev. Constitucionalista de 32 e dando voltas no entorno do Ibirapuera, um caminho sem fim, com o Obelisco sempre a vista.  Permanecemos um tempo na entrada do Mausoléu, o silêncio nos possuía.  Havia uma tensão no ar. Escadas, muros, caminhada longa, cansaço, dor nas pernas, sono, dificuldade de atenção.  Uma feira de produtos orgânicos,  o dia estava nascendo. Uma padaria aberta, pessoas a caminho de seus trabalhos. Seguimos para o Metrô Paraíso, despedidas, seguimos. Só deixar o corpo pesar, no chão. Amanheceu, estamos na Ana Rosa, em uma Ilha de carros, hora de tomar café da manhã para seguir viagem. Estamos na metade de nossa jornada de 24h, os pés doem.  Preciso de um café, o corpo pesa mais ao perceber que amanheceu e não se dormiu. A quantidade de carros na rua aumenta, o som dos motores, permanecemos parados na Ilha, ninguém se move, os comércios abrindo as portas. Na madrugada só se ouvia os passos, uns dos outros, silêncio absoluto no bairro, ocupar a rua. A noite não fez frio e a lua cheia nos acompanhou a noite inteira. Estamos agora perto da Rua Estela.

Café da Manhã e pausa no Triângulo das Bermudas – (6-8h)

Terceira Parada 12h (Trajeto 8-12h)

Iniciou-se na Ilha Triângulo das Bermudas, tivemos que dar uma micro pausa antes de começar a andar novamente. Acredito que este momento do amanhecer seja o mais difícil, sabendo que ainda temos a metade do caminho pela frente.  Finalizamos este trajeto seguindo um cachorro até a sua casa. A porta da casa azul está fechada. Ele abriu o portão apenas, mas restou a porta de madeira azul, permaneceu deitado olhando para a porta. A exaustão já se instaurava nesta parte do trajeto, o corpo fica mais automático, responde com menos qualidade. Escuto neste momento o cachorro batendo a porta, ele insiste.  Neste trajeto ficamos por muito tempo no bairro da Aclimação, muitas voltas. Passamos pelo parque da Aclimação e a praça da caixa d´agua.  Uma maldição sem saída.  Parecia um labirinto, não havia como sair do bairro, permanecemos por longo tempo. Pausamos em uma casa antiga, tocar, e depois em uma outra parte da rua, em pequenas escadas na porta de comércios. Eu me aquietei também em um ponto de táxi, um banco de madeira na sombra. O Sol estava bem quente, Sol a pino. Neste momento eu me sentia uma velha de 100 anos ou mais, 200 anos talvez, que pausa na soleira da porta e permanece sem nada fazer, apenas refletindo sobre a vida, que passou, sobre as experiências vividas até então.  O corpo responde pouco neste momento. Apenas contempla, vê a cidade de outra forma.  Não dá para correr ou fazer movimentos abruptos, um corpo em falência. Viadutos, carros, escada, uma casa com janelas, parede branca. Exaustão, faltam mais 6 horas. Caminho lentamente e apenas permaneço nos lugares, como uma coisa, um objeto jogado no chão.  Alguém sem rumo, sem história?, nem passado nem futuro. Um homem move-se estranhamente, uma dupla de Testemunhas de Jeová nos aborda, cachorros, muitos cachorros presos a cóleras levam seus donos para passear.  O cachorro que seguimos, não tinha colera, ele finalizou nossa trajetória esta manhã. Abriu para a próxima jornada, o período da tarde, com o que nos resta de corpo. Cansaço, sono, calor, a Cidade permanece no seu ritmo de vida, os carros passam, as pessoas trabalham.  Com o cachorro, permanecemos, cochilando na sombra,  preparo para a continuidade da jornada. Ele se foi, a porta de madeira azul se abriu, e nós seguimos nosso caminho. Ouço passos na rua, há de se continuar o trajeto, o derivar.

Almoço  e Pausa 12-14h

Ultima Parada  6h (Trajeto 14-18h) depoimento pós jornada...

Seguimos o fluxo,  caminhada sem fim, sem pausa.  Quase voltamos para o Bexiga, um caminho bem semelhante ao caminho de ida, mas bifurcamos, e voltamos para a Paulista.  A entrada na Alameda Lorena novamente foi também impressionante, com tantos caminhos que poderiam ser vividos, a repetição era algo assustador naquele momento.  Seguimos, bifurcação novamente, seguimos para a Santos, Parque Trianon, uma sombra, depois de tanto Sol na cara. Éramos retirantes naquele momento. Deitar no banco da Praça, não pode, uma funcionária do parque nos proíbe. É impressionante a quantidade de proibições para afastar moradores de rua para longe...  Mata antiga, sombra gelada e refrescante. Um respiro em meio ao fluxo da Cidade. Pisar na terra. Saímos do Parque, fluxo novamente.  Uma cachoeira, o som da água era revitalizador. Em meio à seca de São Paulo, era um conforto ouvir o som da água.  Fluxo, fluxo, fluxo.  Rua consolação pequena, consolação grande, Dr. Arnaldo, fluxo, fluxo, fluxo.  Sol na cara.  Dor na lombar, dor na perna esquerna.  Corpo automático, segue o fluxo,  pés tropeçam.  A risada é um alívio, estar junto também é um alívio.  Chegamos nas bancas das flores. Nesta parte do trajeto estou como apoio, para atender o celular caso mais alguém queira nos seguir e queira saber onde estamos, ou ainda para dar informações caso alguém queira saber, mas sigo junto. Entramos no Cem. Do Araçá. Nos perdemos, cada um seguiu uma alameda, e nos perdemos. Nos encontramos na rua do Mausoléu da Polícia Militar.  O cemitério era um lugar bem simbólico para este momento da jornada, o silêncio, a falência do corpo, o exaurir de forças.  Finalizamos então com uma conversa e decidimos seguir
andando em silêncio até a Praça do Pacaembu, na frente do Estádio para fechar a ação com um Mapa coletivo desenhado a giz sobre as experiências de toda a jornada de 24h. Uma ultima surpresa, passeio de carrinho de golfe com o coveiro nas ruas do Cemitério. E assim chegamos mais perto do Pacaembu,  saída pela parte de trás do Cemitério.  A partir daí seguimos caminhando. E fizemos o Mapa coletivo no chão!

Mapa Coletivo 18-19h (Pacaembu)

Paulina Caon


PRIMEIRA ESCRITA AUTOMÁTICA
(Meia-noite, em frente ao Maksoud Plaza)



Finalmente um pouco de brisa (uma pontada no estômago). Primeira grande pausa. Meus pés já dói muito, meu casaco está fedido.  Lembro: “No dia que eu vim me embora, minha mãe chorava em ai, minha irmã chorava em ui... o qual não disse palavra...” . Metatarso esquerdo, joanete esquerda, estômago à esquerda. Verônica passa em minha cabeça; a sombra de alguém chama minha atenção. O que pode um corpo?... Flash do medo na curva da aclimação, com o churrascão, alguém que fica pra trás. (“a mala de couro que eu trazia, fedia, cheirava mal...” -  continuo ouvindo a música na voz de Pena Branca e Xavantinho). Um pouco de melancolia que não sei se é também cansaço, saudades de não sei bem o que... Mais flashes de memória: boca de Verot pintada de batom forte no casamento hoje; frases esparsas dos passantes na rua enquanto caminhamos... Fico impressionada como podemos conduzir o foco de nossa própria atenção para diferentes coisas, algumas tão sutis (se deslocar ouvindo os sons, perseguindo os ares). Meu dedão lateja, meus dedos também. Nada me passa na memória em relação ao caminho. O gelado de um poste metálico de uma placa; o pé com meia branca pisando no cimento, eu de ponta cabeça achando que ia cair... Consolação/Augusta, grade de fero, imagem e textura da casca de árvore peluda, ladrilho branco, placa de metal no chão, lisa, da TELESP (memória de que minha tia trabalhava na TELESP de Rio Claro), meu pai, minha mãe, os Natais de antigamente em Rio Claro, os presépios da avenida Paulista, a vontade de ser logo Natal, férias, amigos, pausa, descanso. Meu pensamento divaga como meus pés, um silêncio me invade em certos pontos da caminhada, como se eu pudesse nunca mais falar. Meu dedão esquerdo lateja. Na verdade, na base dele, na parte alta do primeiro metatarso (por que preciso explicar isso?). Parece que meu olho pisca mais lento, mais duro, o tênis vermelho de Mônica me faz lembrar que não onde está o meu.....
  
SEGUNDA ESCRITA AUTOMÁTICA
(seis horas da manhã, entroncamento da Paulista com Domingos de Moraes)

 Frio nas costas pelo vento da manhã – blusa fria batendo no suor que umedeceu a blusa. Cansaço. O que é cuidar do outro, dos outros? O que é cuidar de si? Os olhos novamente pesam, a cor do céu em certo horário próximo do amanhecer é igual ao azul líquido de certo horário do início da noite. Sinto que vou dormir escrevendo. O grito da mulher na bicicleta me assiste em meio à minha surpresa do quanto já amanheceu nos últimos momentos da escrita (entre o olhar que mergulha no papel e o olhar que volta a olhar o entorno). De repente parece já ser dia. Meus pés continuam doendo. O sono atinge a escrita. Sinto que o cansaço não permite jogar os procedimentos propostos porque as regras não estão tão claras. Pesquei de sono enquanto escrevia.  Levanto os olhos e vejo “AJINOMOTO” à minha frente, do outro lado da rua, “especho mas cafemm” (???? dormi de novo). Fiquei preocupada váras vezes na caminhada do “meopela” (???). Não consigo mais escrever, durmo sempre no mesmo ponto de meu pensamento, não chego ao fim da frase ou  do pensamento. 


Pedro Galiza

Eu. Somos errantes, sou errante. Somo heróis de uma era. Nossos corpos, meu corpo em transtorno físico, somos 1 coisa única pelo período em que a irmandade é inteira.

Sou ficção além do corpo, sou lugar em meio às paredes. Me transformo! (me transformo, nos transformamos, pois, não somos organismos mortos, somos um mesmo eu em impacto com o solo). Solo que é só, solo que é terra, e que é dinâmica.

Trazemos (trago) à tona a vida do concreto. Concreto pensando, vida mesmo.

Somos vampiros, vivos, organizados, experientes. Somos – sou – a flor que brota, ou melhor, que já vem brotando das luzes da cidade. Desejo em ser um ser eterno. Somos eternos em todos os lugares. Não penso – não pensamos – somos (sou) pensamento na rua, nua e sem ar.

Somos (sou) a violência afetada, atravessada pelo ar da noite, com o aroma do luar.
 
O que não interessa é a lembrança, mas o corpo que seguimos criando, corpo de bando. Sujeira intacta.

Somos (sou) um corpo sem futuro, sem estrutura, só derramamentos de prazer em ser. No calar da vaidade, meu corpo – nosso corpo se esvazia de palavras, se preenche de so...

-

Rindo.

Eu aqui com letra informal...

O corpo ganhou...

Caneta falha.

Deriva em lugares ilusórios,

Medo, pensamento... rum,

Não pensar, resistir.


Dormir. Frio. Rua

Ser mestre, a...

-

Estado que foi criado partindo das atualizações da experiência – sem representação.

O corpo torna-se um ser de transtornos e afetos causados pelas insuficiências da natureza (do homem – do universo).

Aquilo que disse que somos sem qualquer menção original, ou melhor, que algum objeto designa, todos temos um princípio na territorialização.

Minhas atuais, falam que não se pode dormir.

Estado precário.

Ruas inatingíveis.

O que querem propor ao espaço, não é proposta.

Sandra Ximenez
(segundo bloco de 4h)

Acompanhei somente o miolo madrugada da deriva, estive entre 2 e 6 da manhã, mais ou menos, comecei com eles na primeira mesa de comida e conversa, primeira parada, e segui até um pouco antes, tipo 10 minutos da finalização desse bloco e outro intervalo.
passamos pelo metro paraíso e eu fiquei lá. precisava ir mas não queria, estava claro que a coisa pedia uma radicalidade e dava vontade de construir isso com os companheiros que estavam fazendo a deriva toda.

a lua foi uma presença, com astral de proteção mas
mas
a lua cheia sempre tb pode ser um elemento perturbador, excitante,
desarmonizante, briguento.
pra mim restava uma desconfiança com ela, uma paixão e ao mesmo tempo uma desconfiança sobre o que pode acontecer  numa noite de lua cheia, seus perigos, e eu me colocando num lugar de cuidar tb, sabendo que eu estava bem na hora da insegurança. Na madrugada de São Paulo, passando por lugares que não se passa nessa hora. andando. ocupando.
o grupo se autoprotege um pouco. o perigo pra um grupo como o nosso é surgir outro grupo. Não surgiu, só menor, só pessoas em situação de trabalho, de um
trabalho suspeito, mas trabalho.

situação da mulher na cidade se mostra clara. nos achavam um grupo feminino por mais que estivéssemos compostos por 8 mulheres e dois homens. mexiam com as mulheres, convidavam.

sensação do Forrest Gump, quando ele começa a correr e não para mais.  é bem
claro que poderíamos andar pra sempre, parando, mas entrando sim numa situação de nomadismo provisório, um provisório que poderiam ser anos, assim, no grupo, na cidade, em si mesma, nós mesmos. assim, sempre andando, sempre provisórios, vivendo apenas psicogeografias e necessidades básicas.

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