O livro Walkscapes – o caminhar
como prática estética, de Francesco Careri, inspirou os desejos da deriva.
Seguem algumas partes interessantes.
ka – o símbolo egípicio da eterna
errância
“O caminhar é uma fórmula
simbólica que tem permitido que o homem habite o mundo.” Uma forma de se
relacionar com o território que gera transformação simbólica.
“A história das origens da
humanidade é uma história do caminhar, é uma história de migrações dos povos e
de intercâmbios culturais e religiosos ocorridos ao longo de trajetos
intercontinentais”.
“O caminhar, mesmo não sendo a
construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e dos seus
significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar
das percepções que daí ele receba ao atravessá-lo – é uma forma de
transformação da paisagem que, embora não deixe sinais tangíveis, modifica
culturalmente o significado do espaço, e consequentemente, o espaço em si,
transformando em lugar. O caminhar produz lugares”.
“A (cidade) que é descoberta
pelas errâncias dos artistas é uma cidade líquida, um líquido amniótico em que
se formam espontaneamente os espaços de alhures, um arquipélago urbano a ser
navegado indo à deriva. Uma cidade em que os espaços do estar são ilhas do grande mar formado pelo espaço
do ir”.
“Os pontos de partida e de
chegada tem um interesse relativo, enquanto o espaço intermediário é o espaço
do ir, a essência mesma do nomadismo, o
lugar em que cotidianamente se celebra o rito da eterna errância.
Mapa nômade
“O mapa nômade (...) parece
refletir esse espaço líquido em que os fragmentos cheios do espaço do estar flutuam no vazio do ir, em que percursos sempre
diversos permanecem até serem apagados pelo vento. (...) É sulcado por vetores,
setas instáveis que são mais conexões passageiras que traçados: o mesmo sistema
de representação que se encontra na planta de um vilarejo paleolítico, nas
plantas dos walkabouts dos aborígines
australianos e nos mapas psicogeográficos dos situacionistas”.
Pontos, linhas e superfícies que
se transformam no tempo.
“Um espaço construído pelos
vetores do percurso errático, por uma série de elementos geográficos ligados a
eventos míticos e montados sequencialmente”.
O sol, a lua e o horizonte.
Espaço interno
“O nascimento do espaço interno
(na cultura egípcia) estava ligado ao conceito do Ka,
símbolo da eterna errância, uma espécie de espírito divino que
simbolizava o movimento, a vida, a energia, e que trazia consigo a memória das
perigosas migrações do paleolítico”.
“O Ka é um dos símbolos mais antigos da humanidade e, por
ser freqüente em numerosas culturas muito distantes entre si, poderia fazer
supor que fosse compreensível pelas multidões que se deslocavam a pé através
dos continentes: um símbolo compreensível por todas as populações errantes do
paleolítico”
“Nas culturas primitivas (...) os
lugares eram uma espécie de máquina através da qual se adquiriam outros estados
de consciência”.
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